terça-feira, 24 de maio de 2016

27.

alarmealarmealarmeallarmeaallarmeaallarmmeaallaarmmee.
AHHH.
duas quartas-feiras e acaba o mês.
menos.
a dor vem dos sulcos no pescoço onde ontem afundaram os dentes da loira que roubou teu rosto.
ardem levemente ao toque,
          mas não dizem nada demais.
forço os olhos. talvez se enxergasse menos.
funciona.
leio um nome com os dedos.
MOIRA.
deve ter dito enquanto fodia. antes ou depois de morder. gravou como um vinyl.
procuro papel e caneta.
risco.
rasgo a folha. prendo ao mural. puxo uma linha que vai da atriz ao nome.
visto uma calça suja, sem cinto. um moletom azul com bolsos. passo um café, engulo devagar, sozinho.
não espero ninguém
        e ninguém vem.
abro as cortinas e o portão me convida. ontem trancava. retorcia. mudou de ares.
“meu primeiro amor foi um pé de feijão.
que deu um broto e morreu„.
quem disse isso?
você ou eu?
procuro papel e caneta.
risco.
rasgo a folha. prendo ao mural. puxo uma linha que vai do nome à frase.
o ar se enche de melancia.
incenso. não meu. câmara de gás.
fome. assassinato silencioso. sede.
um caldo de feijão resolveria tudo.
encaro o mural. amanhã te procuro.
-//-
não tem nada nas garrafas transparentes.
-//-
a chave mal abre o portão.
resiste.
mas eu sou forte
e o ferro é fraco.
a mão que empurra se enche de laranja,
                   não faço questão de limpar.
-//-
a balconista me olha com cara de abraço. tem nome de esfinge ou esfirra. a cara é de carne com queijo. lacrimejo. pensa que sou mendigo. quase choro. me serve um caldo em copo de plástico. aponta pra fora.
saio como o rabo entre as pernas.
um homem de terno me oferece um cigarro. me acende. ofereço o caldo. recusa. agradeço. me cumprimenta com um aperto. me despeço.
entre um gole e outro sorrio sua mão pintada de laranja.
-//-
o caldo acaba logo.
antes do cigarro.
podia comer um cachorro.
nunca gostei de cachorros.
latem pra mim. vão me morder.
a loira que roubou teu rosto me mordeu.
estava no cio. me seduziu.
           esfregou o rabo em mim.
-//-
não sei ao certo por onde andei.
todos os passos parecem voltar atrás.
reconheço as placas.
uivo.
e a não resposta me é familiar.
coço os cabelos. soltam uns fios. secos. queimados.
cheiram a mal tempo.
vasculho os bolsos.
chaves. identidade. nota de 5.
o kit completo pra sair de casa.
na nota uma mensagem. deve ser sua.
“deus seja louvado„.
-//-
podia comer um cachorro,
mas só tenho 5 reais.
tenho que ser seletivo.
escolher o melhor cachorro.
-//-
um homem de terno distribui panfletos em frente à igreja.
me pergunto se é o mesmo que me ofereceu um cigarro,
                                mas esse tem dentes mais brancos.
me entrega um papel. quero comê-lo.
deus seja louvado, digo pensando em você.
ele sorri.
pergunta se tenho onde ir.
tenho onde ficar. não sei onde ir. procuro alguém.
diz que encontrei.
não vejo você.
me convida a entrar. está lá dentro.
acredito. sigo. te encontrei. foi mais fácil do que imaginei.
estava bem debaixo do meu nariz.
deus seja louvado.
-//-
me conduz pelo corredor. me deu a mão e é meu guia.
vasculho cada centímetro. sob os bancos de madeira, não. atrás das estátuas desbotadas, não. escondida entre as cores dos vitrais, não.
num canto escuro cochicham duas mulheres. os rostos quase ocultos. parecem dois bueiros abertos.
                                                          quando era criança abrimos o bueiro em frente à casa
                                                          amaldiçoada de meus avós. éramos gigantes esmagando
                                                          a morada dos seres menores cujos
                                                          gritos de desespero só se escutavam em nossos ouvidos.
vai sair daí uma barata albina, penso.       
me leva ao altar. me ajoelha. ajoelha. me toma a mão direita com a sua esquerda.
a barata albina se recusa a sair dos bueiros de rostos.
não vejo você.
aperta meus dedos. abaixa a cabeça. pede que eu repita suas palavras.
vamos te invocar.
como não pensei nisso antes?
obedeço. 
toma rosto de gárgula. torna a voz grave. não fala, proclama.
sua voz ecoa em cada canto. vibra madeira e porcelana e gesso e vidro.
repito.
juro.
peço.
um sinal.
um sopro uma chuva uma chama um trovão um tremor
que me aponte na sua direção.
deus seja louvado, ele diz.
deus seja louvado, eu repito.
arranco do bolso a nota de 5.
ofereço ao céu,
a ti,
oramos
juntos,
aos berros, aos grutos,
...
e nossas preces são atendidas.
-//-
procuro me mexer. há luz.
ou fez-se.
dormi o século todo
e a pangeia se uniu de novo.
demoro a enxergar. cinza. blocos e vigas. braço meio torto.
empurro o que prende meu corpo,
                       sem muito sucesso.
doem as costelas. as falanges. a cabeça.
devem ter soado as trombetas,
             e todo o céu desabou.
um rosto segura meu rosto. estapeia. reajo ao máximo, pouco.
me puxa pra fora das pedras.
o homem de terno não sorri mais. perdeu alguns dentes. a face amassada.
não vejo os bueiros,
       mas não estou em condições de reparar.
“vai ficar tudo bem„ diz o rosto. me cobre a boca com tubos.
câmara de gás. assassinato silencioso.
me sinto coberto de algodão.
“meu primeiro amor foi um pé de feijão.
que deu um broto e morreu.
a água secou. o vento levou„.
quem disse isso?
você ou eu? 


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